Avaliação do Desempenho dos Banhos de Calibração

(Matéria publicada na Revista Metrologia e Instrumentação, nº 7, Agosto) Por: Lúcia Moreira
Tarefa difícil, mas indispensável

O principal objetivo da calibração é estabelecer a relação entre um dado dispositivo de medição e o Sistema Internacional de Unidades (SI), que no caso da temperatura é representado pela Escala Internacional de Temperatura de 1990. A calibração é, portanto, a forma de se relacionar a indicação de um termômetro desconhecido com a temperatura real.

Sensores de temperatura ou simplesmente termômetros são usualmente calibrados pelo método da comparação que é o mais rápido, mais simples e mais econômico.

Um sistema de calibração por comparação é formado por um termômetro calibrado (através do qual se obtém a rastreabilidade) e um meio de temperatura de uniformidade conhecida que cubra a faixa de temperatura desejada. O termômetro padrão pode ser um termômetro de líquido em vidro, um termopar ou um termômetro de resistência, acoplados a um indicador.

A calibração por comparação fundamenta-se na Lei Zero da Termodinâmica que diz: Se dois sistemas estão separadamente em equilíbrio térmico com um terceiro, então estarão em equilíbrio térmico entre si.

O sistema 1 é o termômetro padrão, o sistema 2 é o termômetro em calibração e o sistema 3 é o banho ou forno de calibração.

Existem diversos tipos de banhos ou fornos de calibração e as características de construção de cada um determinarão com que "eficiência" se consegue atingir o equilíbrio térmico. Essa uniformidade do meio térmico é um importante fator na incerteza da calibração por comparação de termômetros e é fundamental uma avaliação adequada da sua influência nos resultados obtidos.

Os banhos de bloco metálico, também conhecidos como fornos portáteis, são os preferidos para a maioria das calibrações industriais, pelo fato de conciliarem praticidade com uma boa relação custo/benefício. Esses banhos foram introduzidos no Brasil há cerca de 10 anos e atualmente, o usuário dispõe de inúmeras opções de diversos fabricantes.

Seria desejável que os fabricantes fornecessem ao usuário potencial uma análise completa do que se pode esperar de cada modelo, informação esta indispensável, inclusive, para a escolha do equipamento mais adequado. Entretanto, apenas em alguns casos estas informações estão disponíveis.

É comum o fabricante fornecer a estabilidade do seu forno. Essa informação, na verdade, apenas reflete a qualidade do sistema de controle utilizado. A uniformidade é a característica que irá influir mais significativamente nos resultados da calibração. Isso porque embora exista o equilíbrio térmico, ele não é perfeito como supomos ao realizar a comparação.

Para fazer uma análise de incerteza realista, o usuário deverá avaliar o desempenho do seu banho ou forno de calibração.

A "European co-operation for Accreditation" é uma entidade que se propõe a auxiliar a eliminar as barreiras técnicas ao comércio promovendo, entre outras atividades, a aceitação universal de certificados credenciados.

O documento EA-10/13 Guidelines on the Calibration of Temperature Block Calibrators (Guia para a Calibração de Calibradores de Temperatura de Bloco) dá as diretrizes para a calibração de banhos de bloco metálico quando se pretende usar a própria indicação do conjunto sensor de controle + controlador como a referência ao SI. Minha opinião particular é que essa prática só deve ser adotada quando não for realmente possível usar um termômetro padrão externo que, colocado junto com o termômetro em calibração, dentro do bloco equalizador do forno, estará sujeito às mesmas oscilações que o termômetro desconhecido, no momento da calibração.

Seja qual for o sistema de obtenção da rastreabilidade escolhido, esse documento traz valiosas orientações sobre o que deve ser avaliado num banho de bloco metálico e algumas indicações sobre como fazê-lo.

Homogeneidade axial

Trata-se do perfil térmico dentro do orifício de calibração, ao longo da zona de medição. O documento afirma que o banho deve ter uma zona de medição com pelo menos 40 mm de "suficiente" homogeneidade de temperatura. O que vai determinar a magnitude do "suficiente" é a incerteza máxima permitida ou desejada para uma dada aplicação.

O documento recomenda ainda que, para esta avaliação, seja usado um termômetro de resistência com elemento sensor de 5 mm e diâmetro de 6 mm (para minimizar as perdas por condução) na faixa de -80 a 660ºC e um termopar de metal nobre de 660 a 1300ºC.

A avaliação é realizada na temperatura do limite superior e do limite inferior de operação do banho. Se um desses pontos de medição coincidir com a temperatura ambiente, deve-se aumentá-lo ou diminuí-lo em 20ºC.

Devem ser efetuadas 4 medições, no orifício central ou em um orifício marcado:
- Termômetro no fundo do orifício;
- Termômetro a 20 mm do fundo do orifício;
- Termômetro a 40 mm do fundo do orifício;
- Termômetro no fundo do orifício.

A maior diferença encontrada será considerada na avaliação da incerteza.

Homogeneidade radial

Trata-se da diferença de temperatura entre os orifícios diferentes destinados à calibração. A avaliação é realizada em pelo menos três temperaturas distribuídas na da faixa de operação do forno.

A maior diferença encontrada será considerada na avaliação da incerteza.

Efeito do carregamento

Esse fator somente influencia as medições nas quais se usa o conjunto sensor de controle + controlador como padrão.

O controlador do forno portátil, depois de atingido o equilíbrio, estará sempre indicando o set point que foi programado, independente da carga do bloco. Se o bloco tem 4 orifícios, a temperatura no interior do bloco será um pouco diferente dependendo se estiverem sendo usados 1, 2 ou todos os orifícios. Dependendo do modelo e da temperatura, essa diferença pode atingir magnitudes que interferem nos resultados da calibração (0,5 a 2,5ºC).

O documento sugere que com um termômetro padrão num dos orifícios, seja introduzida um bastão metálico de 6 mm de diâmetro e com um comprimento que garanta que pelo menos 200 mm fique para fora do bloco. Aguarda-se a estabilização e registra-se a variação observada na temperatura. Este teste deve ser realizado na temperatura mais distante da temperatura ambiente.

Estabilidade

A estabilidade é a máxima variação na temperatura indicada por um sensor na zona de medição, ao longo de 30 minutos, após o sistema ter atingido o equilíbrio.

As medições devem ser realizadas em três temperaturas diferentes: a maior, a menor e a temperatura ambiente.

Perdas por condução

Os banhos de bloco metálico possuem uma profundidade de imersão que pode variar entre 80 e 180 mm, conforme o fabricante e o modelo. Um termômetro imerso num banho estará sujeito a um fluxo de calor que será tão mais intenso quanto maior for a diferença entre a temperatura do sistema e a temperatura ambiente.

Os sensores devem sempre tocar o fundo do bloco e os orifícios de calibração devem possuir um diâmetro interno apenas 0,5 mm (de -80 a 660ºC) ou 1 mm (de 660 a 1300ºC) maior que o diâmetro do sensor que ali será calibrado.

Para sensores com até 6 mm de diâmetro, uma imersão igual a 15 vezes esse diâmetro, ou seja, 90 mm pode ser considerada suficiente, de acordo com esse documento. Para diâmetros maiores, dependendo de acordo entre fornecedor e cliente, as perdas por condução poderão ser investigadas.

Calibração de fornos portáteis

A calibração de fornos portáteis ainda não consta da relação padronizada de serviços de calibração credenciados da RBC. Os laboratórios que calibram fornos portáteis os tratam como um conjunto sensor de temperatura + indicador e, usualmente, não consideram todos esses tópicos aqui abordados na incerteza da calibração desse forno.

O uso do próprio forno como referência de temperatura já se tornou uma realidade.

Muitos usuários, entretanto, desconhecem que esses diversos fatores aqui relacionados influenciam a incerteza das suas calibrações e, provavelmente, estão avaliando as incertezas de forma excessivamente otimista.

A avaliação de desempenho como aqui exposta é uma operação demorada e custosa. Por outro lado, o usuário do equipamento muitas vezes não tem experiência suficiente ou equipamentos adequados para chegar a resultados conclusivos.

De quem é a responsabilidade pela avaliação de desempenho? Do fabricante forno, do laboratório de calibração ou do usuário final? O documento dá a entender que é do laboratório de calibração. Quanto deverá custar uma calibração como essa? Será que o usuário está suficientemente esclarecido para pagar por ela?

Esse é um debate importante ao qual, na minha opinião, a comunidade de temperatura deve se dedicar. Seja de quem for a responsabilidade, ela deve ficar clara tanto para o fornecedor quanto para o cliente.

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