Validação do Processo de Esterilização – ABNT ISO 11.134:2001

Muitas vezes somos induzidos a assumir que para conseguirmos validar um processo de esterilização temos que substituir o nosso equipamento. Na realidade este processo é basicamente o mesmo desde a sua criação, em 1880, pelo pesquisador Charles Chamberland (1851 a 1908), onde as diferenças são que os equipamentos evoluíram para melhorar o controle das fases do ciclo de esterilização e dispositivos de segurança e registro.

Para que possamos ter sucesso na validação, devemos primeiramente certificar que todas as pessoas envolvidas neste processo estejam cientes e determinadas a colaborar, fornecendo todos os subsídios necessários para a conclusão das etapas envolvidas. Essas pessoas irão compor uma comissão de validação, que poderão ser dos seguintes setores:
  • Central de Materiais
  • Centro Cirúrgico
  • CCIH
  • Direção
  • Fornecedores
  • Prestadores de Serviços
  • Manutenção
A primeira etapa será a elaboração dos protocolos de validação, e para cada um deles deveremos sempre observar dois pontos importantes: garantia da esterilização e rastreabilidade. Devemos elaborar no mínimo os protocolos abaixo, ficando a cargo da comissão de validação os demais protocolos pertinentes ao processo.

  • Qualificação de Instalação
  • Qualificação de Operação
  • Qualificação de Desempenho
É importante lembrar que estes protocolos deverão ser elaborados com base em normas técnicas vigentes, recomendações técnicas de associações de classe e recomendações do fabricante. Os protocolos deverão informar todos procedimentos a serem realizados e os resultados esperados de cada etapa, incluindo a justificativa para cada critério de aceitação adotado. Deverão ser fornecidos meios de comprovar que estes critérios irão garantir que, quando alcançados, os materiais processados no equipamento estarão esterilizados. Esta comprovação deverá ser obtida por meio de testes de esterilidade.

Como o equipamento de esterilização depende diretamente das utilidades que fornecem energia elétrica, água, vapor, ar comprimido, drenagem, etc, estes devem ser testados para verificar se são capazes de atender as especificações requeridas pelo equipamento de esterilização. Especial atenção deverá ser conduzida na analise de dois componentes que interferem diretamente na qualidade do ciclo que são água e ar comprimido. Os critérios de aceitação para estes dois componentes estão contidos na ABNT ISO 11.134:2001.

O equipamento de esterilização utiliza sensores de temperatura e pressão para monitorar e controlar as fases dos ciclos. Estes instrumentos precisam ser calibrados periodicamente com o objetivo de garantir que os valores indicados por eles estejam dentro dos critérios de aceitação. Existem ainda outros instrumentos de segurança e informação que também devem ser calibrados para garantir o correto funcionamento destes, entre eles: válvulas de segurança, pressostatos, manômetros e etc.

A calibração dos sensores de temperatura e pressão deve ser realizada sempre em malha de maneira a garantir que a avaliação, e correção quando necessário, do erro destes sensores leve em consideração toda a malha, que é composta pelo sensor de temperatura, cabo de transmissão, conversor analógico/digital (quando aplicável) e CLP (Controlador Lógico Programável). Os instrumentos utilizados na calibração deverão ser rastreados à RBC (Rede Brasileira de Calibração), porem o prestador de serviços não precisa necessariamente ser da RBC. É importante que a calibração seja acompanhada por uma pessoa da comissão de validação, e o certificado de calibração avaliado por todos envolvidos.

Um instrumento de segurança que requer atenção especial é a válvula de segurança a qual precisa, por exigência da Norma Regulamentadora nº13, do Consolidado das Leis Trabalhistas, ser calibrada, conforme instruções técnicas, periodicamente por empresa pertencente à RBC. Existem ainda os ensaios de segurança que deverão ser executados por profissional qualificado, conforme exigências da NR-13 da CLT. Esses ensaios deverão ser realizados tanto no equipamento de esterilização, quanto no gerador de vapor (quando aplicável). Esses ensaios são, por exigência, realizados em todos os equipamentos novos e deverão ser repetidos dentro da periodicidade que será determinada pelo responsável pelos ensaios de segurança. Esses ensaios, são normalmente os seguintes, conforme definição do profissional que estará conduzindo os ensaios e assinando o livro de registro: (a) Ultrasom: medição de todas as soldas do equipamento; (b) Líquido penetrante: um líquido é aplicado na superfície do equipamento e quando revelado, exibe alteração de cor quando há trincas na superfície avaliada; (c) Teste hidrostático: consiste em pressurizar a câmara interna/externa com água, a uma pressão superior a pressão de trabalho do equipamento, para verificar se há vazamentos.

Um plano de manutenção preventiva já deverá estar em prática antes de iniciar as qualificações do equipamento, preferivelmente dever-se-á iniciar as medições termométricas (início da qualificação de operação) no equipamento de esterilização logo após a realização de uma manutenção preventiva e da calibração dos instrumentos de controle.

A execução do protocolo para a Qualificação de Instalação deverá contemplar as especificações das utilidades requeridas pelo equipamento, local onde o equipamento será instalado, impacto na temperatura do ambiente onde o equipamento será instalado, e temperatura ambiente de funcionamento do equipamento.

Toda esta etapa é conduzida por meio de preenchimento do protocolo de qualificação, onde são observados, por exemplo, os valores indicados nos manômetros de todas as utilidades que chegam ao equipamento, confrontando com o especificado pelo fabricante. Existem algumas informações cujos dados não são obtidos por meio de uma leitura direta, como por exemplo, vazão da rede água, título do vapor, qualidade da água (a qual deverá ser confrontada com os valores contidos na ABNT ISO 11.134:2001), entre outros. Neste caso, devemos solicitar estas informações junto ao departamento técnico, o qual deverá apresentar documento contendo estas informações.

Apesar de o equipamento ter parte de sua estrutura instalada fora da área de uso diário, não significa que esta área, bem como o equipamento, deva ter pó e água no chão. Deve-se tomar toda precaução para manter estas áreas limpas e secas, pois o pó irá entupir mais rapidamente o filtro bacteriológico utilizado para tomada de ar externo na fase de quebra de vácuo, e água no chão indica que o equipamento está com problemas mecânicos que podem interferir na esterilização.

O protocolo para a Qualificação de Operação tem por finalidade desafiar o equipamento em todas as especificações operacionais indicadas pelo fabricante e requeridas pelo usuário. Durante esta etapa serão observadas funções de controle do equipamento, como alarmes, indicadores de fases do ciclo, impressão dos valores de temperatura, pressão e tempo, e funcionamento do equipamento. Serão realizadas também medições termométricas, conhecidas com estudos de distribuição, onde não são processadas cargas durante as medições.

Estudo de distribuição

Antes de iniciarmos as medições termométricas, temos que verificar se o equipamento de aquisição de dados que será utilizado atende as especificações técnicas normatizadas; se este está dentro do prazo de calibração e se os termopares foram calibrados antes do início das medições. É importante verificar também se o programa utilizado garante a integridade dos dados, não permitindo que estes sejam alterados futuramente. A configuração mínima requerida é de 12 sensores de temperatura e um sensor de pressão, sendo que a utilização de mais termopares aumenta a confiabilidade dos dados obtidos, permitindo o monitoramento de mais pontos dentro de um mesmo item (pacote, caixa, etc).

O resultado desta calibração dos termopares antes da execução das medições deverá ser apresentado ao grupo de validação e caso surja algum dúvida sobre os dados apresentados, uma nova calibração deverá ser realizada na presença de todos, para a explanação correta deste procedimento.

A medição termométrica consiste em distribuir geometricamente no mínimo 12 sensores de temperatura dentro da câmara interna. Através de um programa dedicado, desenvolvido pelo próprio fabricante do sistema de aquisição de dados, são realizadas leituras de temperatura nestes pontos, e com base nestes valores, são realizados cálculos estatísticos para verificar o comportamento do equipamento, e confrontar os resultados obtidos com as exigências e recomendações contidas em Normas e Literaturas Técnicas, como por exemplo ABNT NBR ISO 11.134:2001. Deve-se colocar sempre um sensor junto ao sensor de controle do equipamento, para que possamos avaliar comparativamente os valores indicados e controlados pelo equipamento, com os valores registrados pelo sistema de aquisição de dados.

Figura – Exemplo Distribuição dos Sensores de Temperatura

Recomenda-se a utilização de termopares ao invés de termoresistencias, devido a sua robustez e facilidade de manuseio. Esses sensores deverão ser introduzidos no equipamento por meio de uma entrada dedicada, específica para sensores e nunca pela porta (normalmente há uma entrada em uma das laterais do equipamento). Além das medições termométricas, é realizada a medição de pressão da câmara interna, cujo valor é utilizado para se obter, com base na tabela de cálculo de temperatura x pressão de vapor saturado, a temperatura equivalente com base na pressão lida.

Como a inserção dos sensores dentro do equipamento poderá comprometer sua estanqueidade, deve-se primeiramente executar o ciclo “Leak Test” ou “Teste de Estanqueidade”, ou ainda “Teste de Vazamento”, para verificar como equipamento se encontra, e se aprovado de acordo com os parâmetros fornecidos pelo fabricante, introduz-se os sensores no equipamento e o ciclo “Leak Test” deverá ser rodado novamente. O principal objetivo do “Leak Test” é de verificar se há vazamentos pelas conexões do equipamento que possam prejudicar sua estanqueidade, interferindo diretamente na garantia da esterilização. O método mais utilizado para este teste é através da realização de um vácuo máximo no equipamento, onde esta condição deverá ser mantida por 10 minutos, sendo tolerada uma variação máxima de 1,3 mmbar/minuto (EN 285, 2006).

Nos estudos de distribuição de temperatura deverão ser realizados três repetições para cada configuração de ciclo. Muitas vezes utilizamos a mesma temperatura de esterilização, com diferentes tempos de exposição. Neste caso podemos desafiar o ciclo que tenha o maior tempo de exposição, para uma dada temperatura, desde que as fases de condicionamento (fase com pulsos de vácuo) sejam idênticas, otimizando assim as atividades de validação.

Já na fase de secagem o único critério que é observado é a capacidade do equipamento de retirar todo o vapor de dentro da câmara interna, antes que este condense. Este teste é realizado com uma redução de tempo de secagem e da abertura da porta do equipamento logo após o termino desta fase, para a verificação de ausência de condensado. O tempo mínimo de secagem deverá ser obtido no manual de operação do equipamento.

O tempo e temperatura de exposição deverão ser determinados inicialmente com base na literatura técnica e cálculos de letalidade. Inicialmente os equipamentos vêm com ciclos programados, com base em literaturas, as quais para uma temperatura de 121ºC, devemos trabalhar com 20 minutos de exposição, e para 134ºC teremos 4 minutos de exposição. CUIDADO: Os tempos aqui adotados são para serem utilizados como referencia, e nunca deverão ser adotados como padrão sem a realização da qualificação de desempenho, onde estes poderão ser reduzidos ou aumentados.

Estudos de penetração

Antes de iniciar a qualificação de desempenho do equipamento, com a realização de três estudos de penetração para cada tipo de carga, recomenda-se que o procedimento de montagem das cargas que serão processadas já esteja elaborado e que este seja seguido durante os estudos. Além da avaliação do perfil térmico e curva de pressão, nesta fase também é calculada a letalidade induzida pelo processo para alcançar a esterilização, que é expressa em minutos, e indicada como F0.

 Figura – Exemplo de Distribuição de Sensores na Carga

Para determinar o valor da letalidade mínima requerida para o processo de esterilização a vapor saturado (F0), utilizamos indicadores biológicos, com Bacillus stearothermophilus como referencia.

Primeiramente temos que para o calculo de F0, algumas variáveis passaram a ter valor fixo, sendo D = 1 minuto, Z = 10ºC e temperatura referencia (Tref) = 121ºC (ABNT ISO 11134, 2001). Para alcançarmos o Nível de Esterilidade (SAL= Sterility Assurance Level) requerido, devemos garantir a probabilidade de se haver um organismo vivo e uma população inicial de 1.000.000, em outras palavras 1E-6 ao término do ciclo de esterilização.

Portanto o F0 requerido será obtido através da formula:

F0 = D x (Log(população inicial) – Log (população final))

D: fornecido junto com o indicador biológico. Ex: 1,7 minutos

Log(população inicial): fornecido junto com o indicador biológico. Ex: 4,2E6

Log(população final): 1E-6

F0 = 21,45 minutos

Portanto para uma temperatura de exposição de 121ºC, durante os estudos de penetração, deveremos ter um tempo de exposição de 22 minutos. Temos que ter cuidado no cálculo do tempo de exposição para temperaturas acima de 121ºC, pois todo o cálculo de F0 é com base na temperatura de referencia de 121ºC.

Exemplo: Qual será o tempo de exposição a 134ºC, para um F0 requerido de 21,45 minutos?









F = 1,08 minutos

Diante do resultado, temos que para alcançar a letalidade mínima de 21,45 minutos, a uma de exposição de 134ºC, será necessário um tempo de exposição de 1,08 minutos.

Nos estudos de penetração, devemos utilizar um indicador biológico junto a cada sensor de temperatura, para que possamos confrontar os valores matemáticos obtidos com o sistema de aquisição de dados, com o resultado biológico do indicador. É importante lembrar que os indicadores biológicos devem ser considerados apenas como um método adicional de monitoramento dos processos de esterilização, e não como único instrumento de desafio de um processo de esterilização.

Além de desafiarmos todas as cargas que são processadas, é recomendado que sejam desafiados todos os insumos utilizados, como campos, integradores, indicadores biológicos e etc, de diversos fabricantes, de maneira a permitir que estes sejam utilizados e substituídos sem a necessidade de uma nova validação.

O teste “Bowie & Dick” deve ser conduzido normalmente durante as qualificações de operação e desempenho, conforme instrução do fabricante do teste e do equipamento, e o resultado destes testes deverão fazer parte do relatório final de validação. A quantidade de testes “Bowie & Dick” realizados durante a toda a fase de validação vai depender diretamente da quantidade de dias necessários para concluir a validação do processo de esterilização. Por exemplo: Se todos os estudos de distribuição e penetração demorarem quatro dias, teremos no relatório final quatro testes “Bowie & Dick”.

Ao térmico de cada estudo deve-se avaliar se cargas estão saindo secas do equipamento, sendo que qualquer umidade nos pacotes ou itens esterilizados compromete diretamente a condição de “esterilizado” da carga, reprovando unilateralmente o ciclo desafiado, mesmo que este tenha alcançado o F0 requerido. Uma vez definido o tempo de secagem, para cada tipo de carga, este fará parte dos parâmetros de controle que foram validados e não poderão ser alterados sem a realização de uma revalidação.

É importante lembrar que os valores registrados pelo sistema de aquisição de dados somente poderão ser utilizados definitivamente como parâmetros da validação, após a verificação de calibração dos termopares utilizados.

As etapas de qualificação deverão ser realizadas após a conclusão satisfatória de cada etapa, não sendo permitido “pular etapas” no processo de validação.

Com a aprovação de cada etapa de qualificação, teremos o processo validado, e deveremos adotar medidas para garantir que este continue validado até a próxima revalidação que deverá ocorrer em 12 meses.

Deverão ser determinados quais componentes críticos do equipamento e utilidades, que quando substituídos, irão requerer a revalidação do equipamento antes do prazo estipulado. Alterações nas cargas também irão requerer que estas sejam revalidadas.

Se não houver nenhuma alteração nas utilidades e/ou configuração mecânica e controle do equipamento, na revalidação serão apenas repetidas as qualificações de operação e desempenho.

O Relatório final de Validação do Processo de Esterilização deverá conter:

a) Protocolos QI, QO e QD, aprovados e assinados;
b) Relatório conclusivo dos estudos de distribuição e penetração;
c) Todos os dados primários;
d) Gráficos dos estudos de distribuição e penetração;
e) Descrição das Cargas Desafiadas, com diagrama de distribuição;
f) Descrição de todos os indicadores, integradores, embalagens e etc, desafiados e aprovados;
g) Relatório de calibração pré e pós qualificação dos sensores de temperatura utilizados;
h) Certificado de calibração da RBC, dos seguintes equipamentos:
     a. Sistema de Aquisição de Dados
     b. Padrão de Temperatura, utilizado na calibração dos termopares
     c. Transdutor de pressão.

É importante lembrar que o roteiro apresentado acima foi baseado em método cujo meio esterilizante é o vapor, e que poderá ser utilizado para outros processos de esterilização observando somente as referencias e literaturas técnicas específicas.

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